Thursday, January 21, 2010

Confúcio e o Haiti

Confúcio e o Haiti

por Martim Avillez Figueiredo, Publicado em 20 de Janeiro de 2010  |  Actualizado há 14 horas

Parece brincadeira de mau gosto, mas existe um professor em Singapura que está a olhar os problemas do mundo numa perspectiva asiática. E tem muito interesse

 

A terrível situação que se vive no Haiti - e que se acompanha no Ocidente à distância - tornou-se, hoje, um problema de criminalidade. Já não é o terramoto que faz as notícias, mas as pilhagens e a violência nas ruas. O Ocidente - dos Estados Unidos da América à Europa - tem uma forma de lidar com essa violência: mandar forças armadas e pedir- -lhes que usem o bastão com a necessária violência.

A ideia está certa - é preciso defender todos quantos em Port-au-Prince nada querem com crime e pilhagem. Mas o Ocidente, como sempre, está a procurar resolver um problema usando as ferramentas que conhece. Parece conversa fiada, mas é assunto que dá que pensar.

Kishore Mahbubani é um conceituado professor de Políticas Públicas na Universidade de Singapura. O seu nome é respeitado da Índia à China pelas ideias modernas e asiáticas que defende. Não é contra o Ocidente: foi presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O que Kishore não aceita é que os problemas do mundo sejam olhados apenas a partir desta perspectiva ocidental. No crime, por exemplo. Em Julho deste ano Kishore assinou um artigo no "Straits Times", de Singapura, procurando explicar por que razão a taxa de criminalidade é tão baixa nesta cidade-estado. Chegou a conclusões que parecem quase absurdas aplicadas ao Haiti - para ele, a razão da ausência de crime não é a polícia eficaz ou o Estado-força; é a ausência de pobreza desesperante. Sem ela não existe razão para roubar. Para que tudo se mantenha assim, Kishore está a pôr em marcha políticas públicas como esta: cada habitante com emprego e um bom salário de Singapura deve cuidar de um outro habitante sem emprego ou com baixo salário. Brincadeira?

Kishore Mahbubani é um homem ouvido em toda a Ásia, e o seu texto mais influente (dos últimos meses) foi publicado este Novembro no americano New York Times. Ali ele explica como está enganado o Ocidente ao crer que a democracia liberal é o único sistema capaz de responder às exigências dos tempos modernos. Isto para dizer que Kishore não é ingénuo - é um intelectual asiático que usa outros ingredientes quando pensa os mesmos desafios com que se depara o Ocidente. Ou o Haiti.

Para um europeu ou um americano, existem teorias de combate ao crime que defendem o importante papel de uma intervenção conjunta de forças de polícias de proximidade e de brigadas municipais de requalificação urbana. É a tese das janelas partidas, eficaz a limpar o crime de Nova Iorque. Kishore não a desdenha - mas gosta de olhar casos perdidos como o Haiti. Ou como a China pobre, antes de este capitalismo de Estado ter retirado milhões de pessoas da pobreza extrema.

E aí usa Confúcio - esse mesmo que os ocidentais olham como o filósofo cor-de-rosa dos filmes de kung fu: para o mestre asiático, altruísmo, honradez e integridade eram fundadores em política pública. Olha que novidade! Kishore tem outra ideia para manter o crime baixo: todos devem apanhar o lixo nas ruas de Singapura. Cada um dos residentes - não as brigadas municipais. Pois, novidade.
E se no Haiti se ouvisse Kishore?

 

http://www.ionline.pt/conteudo/42756-confucio-e-o-haiti