Henrique Raposo escreve hoje no expresso algo que subscrevo inteiramente:
"Fará algum sentido, em qualquer momento, mas particularmente neste,
que o contribuinte pague mais ao apresentador de "O Preço Certo Em
Euros" do que ao primeiro-ministro? Será, digam-me, mais difícil
apresentar a "Praça da Alegria" do que ser ministro das Finanças,
entalado entre a troika e as manifs? E Catarina Furtado - pelo que diz
a imprensa, a apresentadora mais bem paga da RTP - aceitou uma redução
salarial de 20% em Junho. Significa isso que vai passar de 30 mil para
24 mil euros mensais. (Respiremos fundo.) Não está em causa se
Catarina merece tal ordenado (tive o grato prazer de trabalhar com ela
e posso, caro leitor, atestar do seu profissionalismo. E sim, é ainda
mais bonita ao vivo). Está em causa se deve ser o contribuinte a
pagá-lo.
Não há qualquer razão para que o cidadão-enquanto-contribuinte
sustente uma guerra de audiências desprovida de qualquer sentido entre
sector público e privado, particularmente se tivermos em conta que o
cidadão-enquanto-telespectador poderá continuar a desfrutar dos
talentos de Jorge Gabriel, Fernando Mendes ou Catarina Furtado numa
SIC ou numa TVI, que terão o maior prazer em oferecer-lhes os
ordenados que os accionistas quiserem e bem entenderem.
E que faríamos ao dinheiro poupado? Documentários, magazines culturais
e de interesse social, grandes reportagens, programação pedagógica
para crianças e jovens, uma selecção de filmes essenciais, uma grelha
que poderia e deveria ser articulada com os planos de leitura e cinema
do Ministério da Educação e da Secretaria de Estado da Cultura.
Falar é fácil, dirá. E estará correcto - não se programa uma estação
de televisão numa modesta coluna de jornal. Mas, para que tenha uma
ideia, o custo médio de um documentário para a RTP2 rondou, nos
últimos anos, 10 mil euros. 10 mil. Os 336 mil euros anuais do novo
ordenado de Catarina Furtado dariam para 33 documentários, sendo que o
último se poderia estragar com um orçamento de 16 mil loucos euros. Se
a bitola for o antigo ordenado de Catarina, então teríamos 420 mil
euros anuais = 42 documentários. "Sociedade Civil", o magazine-emblema
da 2 que, há seis anos, junta mais de 120 organizações da dita
sociedade, não custa muito mais do que isso. De segunda a sexta-feira,
durante um ano inteiro. Para pagar apresentadora, realizador,
jornalistas, produtores, técnicos, meios, tudo.
Muito antes de falar em privatizar ou não a RTP, devemos, pois, pensar
que RTP queremos ter, tendo em conta o serviço público que deve
prestar e aquilo que podemos pagar por ele. Para além de uma
longuíssima lista de instituições da sociedade civil que podem
contribuir com meios, preocupações e conhecimento, há uma geração de
brilhantes documentaristas portugueses - brilhantes mesmo - que seria
criminoso ignorar numa nova RTP: Miguel Gonçalves Mendes, Gonçalo
Tocha, José Filipe Costa, Marta Pessoa, Graça Castanheira - só para
citar alguns. Há um país ainda grandemente iliterato para quem o
serviço público de televisão deve trabalhar. Há centenas de milhar de
jovens e crianças que se podem educar, de forma mais económica e
eficaz, com o auxílio da RTP. Há um público que quer ver televisão em
Português, para além dos reality-shows, dos programas ditos de
entretenimento e da informação mastigada até à náusea por um exército
de comentadores."
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/o-que-eu-faria-com-os-336-mil-euros-de-catarina-furtado=f762136#ixzz2AP5scY9N
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