Bom dia, Sr. Professor?
Saía eu do mar, como sempre apressado para regressar ao trabalho, a fazer contas às horas que seriam e ao tempo que iria levar a vestir-me e almoçar quando, no meio do areal, me deparo com uma pessoa que me era sobejamente conhecida. De imediato o cumprimentei de modo entusiástico, “Ora viva!”, ou não fosse essa a minha forma normal de cumprimentaros meus conhecimentos mais próximos. Mas algo me dizia que o Professor, nome pelo qual eu o recordava, não se estava a recordar de mim. Por instantes pensei que algo estaria errado, e que a razão para ele não me devolver o cumprimento com igual entusiasmo seria por eu estar com uma indumentária diferente da que uso habitualmente. Pensei que que passados poucos momentos, ouvindo-me e vendo-me a falar, me reconheceria.
Ele respondeu num tom familiar, “Então como é que estão as ondas? Como é que está o mar?”
Nesse instante apercebi-me do meu erro. Afinal eu conhecia-o muito bem, porque apesar de ja não o ver ha algum tempo, habituei-me a encontrá-lo pelo menos uma vez por semana, mas ele não, ele nunca me tinha posto os olhos em cima.
Pensando num modo de me desculpar pela intimidade desadequada que eu tinha provocado, respondi “Nada de especial, mas dá sempre umas ondinhas”.
Quase não me dando tempo para me recompor da surpresa ele perguntou de imediato: “E a maré, está a vazar?”
Não respondi. A minha vontade de falar com ele de temas mais interessantes que aquele obrigou-me a uma mais contida mas confusa “Que surpresa! Por cá? O que o traz ao Porto?”, não tanto para saber o que o trazia de facto àquelas paragens menos habituais para ele - já que estava a 300 kms de casa - mas mais para me dar tempo para pensar no que poderia dizer a seguir.
Neste entretanto ocorreu-me um rasgo: “Talvez tenha vindo para alguma palestra…mas porra, que tenho eu a ver com isso? Aínda me manda à merda pela minha curiosidade excessiva.” Fiquei à espera que ele tomasse a iniciativa de reduzir o tom de intimidade à conversa. Mas ele não o fez.
- Responde à pergunta, lembrou-me o cerebro - ‘Tenho de lhe responder à pergunta’. A resposta mais simples, pensei num nanosegundo, era fornecer-lhe a informação.
Assim fiz, tentando ganhar um pouco mais de tempo para me recompor finalmente dos varios choques emocionais que acabara de ter e atropelando qualquer hipotese dele satisfazer a minha curiosidade: “Está cheia neste momento,” e tentando parecer mais esperto adicionei: “Veio dar o seu mergulho?”
A partir daquele momento, caíndo aos poucos na realidade, eu quis desculpar-me pelo modo talvez abrupto com que o estava a interpela, não estivesse eu a parecer-lhe um louco, e, mas não consegui, tal era o entusiasmo de estar a falar com ele pela primeira vez. Saiu-me descontroladamente pela boca fora: “Tenho muito gosto em conhecê-lo!”.
Foi neste instante que ele confirmou que de facto não me conhecia, pois qualquer dos seus mais intimos conhecimentos lhe teria retorquido com um “Não estas a ver quem eu sou, pois não?” ou um mais intimo “Estas a fingir que não te lembras de mim, seu esquecido?”.
‘Ele está habituado a que desconhecidos o tratem com alguma intimidade,’ pensei eu, ‘ele sabe que a televisão tem aquele efeito em totais desconhecidos.’ A sua experiência certamente já o tinha ensinado a lidar com situações semelhantes. Enquanto ele manteve o sorriso simpático que esboçava, o timbre de voz amigável e o teor quase familiar da conversa, deve ter visto passar pela minha face expressões de surpresa, agrado, horror, vergonha e de perplexidade.
Não sei se escolheu ser simpático, se o é por natureza. Respondeu-me como se eu um velho conhecido seu – “Vou a caminho de Celorico de Basto…”
“Ahhh….” Interrompi, tomando a liberdade de completar mentalmente o seu raciocinio “…e parou aqui para dar um mergulho a caminho.”
Tive vontade de lhe fazer qualquer pergunta que lhe revelasse algum sinal de inteligencia da minha parte, ou só curiosidade, do tipo “Quando volta à TV?”, ou mais algo mais revelador tipo “Vai ser candidato a….(a alguma coisa)?” ou melhor aínda algo que gostaria mesmo de saber tipo “Quais são os seus planos no futuro próximo?” Mas apenas me saiu um sincero e humilde “vai ver que dentro d’agua está mais quente do que cá fora”.
Preparei-me para retomar a minha corrida para o regresso à vida real. Despedi-me, em tom sincero e sempre entusiastico, “Então um bom mergulho Sr. Professor! Olhe que tem uns chuveiros de agua doce ao pé do parque de estacionamento”, e afastei-me.
Lembrando-me da época festiva e causando-me novo embaraço por não lho ter dito em vez do desejo de bom mergulho, O professor aínda me gritou um “Feliz Natal!” ao que respondi de imediato, voltando-me de novo para ele e acenando “Muito obrigado e igualmente!” E, como se não bastasse ter-lho dito já uma vez adicionei – “Tive muito gosto em conhecê-lo!”
Já no parque de estacionamento, ao mesmo tempo que me vestia e pensava na feliz coincidência daquele encontro, arrependia-me de não ter explorado melhor uma oportunidade quem sabe única, mas tive a nítida sensação que o tinha encontrado por algum motivo e que nos voltaríamos a encontrar. Também me apeteceu dizer-lho, mas achei ridiculo e despropositado.
Ao entrar no carro e ligar a ignição questionei-me se o Professor Marcelo se ia lembrar que havia chuveiros de agua doce naquela praia….
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